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02 de Maio, 2014

Sudão do Sul à beira de uma catástofre - Navi Pillay

Discurso de abertura pela Alta Comissária dos Direitos Humanos Navi Pillay numa conferência de imprensa no Sudão do Sul, Juba, 30 de Abril de 20 Sudão do Sul à beira de uma catástofre - Navi Pillay
Discurso de abertura pela Alta Comissária dos Direitos Humanos Navi Pillay numa conferência de imprensa no Sudão do Sul, Juba, 30 de Abril de 2014

“Bom dia e obrigado por terem vindo.
Como devem saber, visitei o Sudão do Sul há quase dois anos atrás, no início de Maio de 2012. O novo Estado tinha menos de um ano e embora existissem muitos assuntos a discutir em torno dos direitos humanos e problemas a serem rectificados, ainda havia bastante otimismo.

Por isso entristece-me que este segunda visita seja o resultado de uma drástica deterioração na situação com um conflito interno explosivo a decorrer, acompanhado por graves violações de direitos humanos. Depois dos horrendos assassinatos em massa em Bentiu e Bor há duas semanas atrás, o Conselho de Segurança pediu ao meu Escritório para investigar, tendo sub consequentemente o Secretário-Geral me pedido pessoalmente para ir ao país e falar com os seus líderes. Também pediu ao seu Conselheiro Especial para a Prevenção de Genocídio, Adama Dieng para visitar o Sudão do Sul ao mesmo tempo.

O assassinato de centenas de pessoas, muitas delas civis em Bentiu e o ataque retaliador a pessoas deslocadas albergadas no complexo da ONU em Bor, que levou a morte de pelo menos mais 50 homens, mulheres e crianças, demonstram cruamente como o Sudão do Sul está perto de uma tragédia. Sem a intervenção forte das forças de manutenção da paz da India, provavelmente teriam morrido mais centenas de pessoas.

A mistura mortal da recriminação, discurso de ódio, e mortes por vingança que se desenvolveram incansavelmente ao longo dos últimos quatro meses e meio, parece estar a chegar ao ponto de ebulição, e estou cada vez mais preocupada com o facto de nem os líderes políticos do Sudão do Sul, nem a comunidade internacional em geral parecem perceber o quão perigosa é a situação agora. Infelizmente, praticamente tudo o que eu vi ou ouvi falar nesta missão reforça a visão de que os líderes do país, em vez de aproveitarem a oportunidade de dirigir a sua nação jovem pobre e maltratada pela guerra para a estabilidade e uma maior prosperidade, embarcaram numa luta de poder pessoal que levou o seu povo à beira da catástrofe.

Adama Dieng e eu transmitimos as preocupações do Secretário-Geral e as nossas ao Presidente Salva Kiir e a cinco Ministros do seu Governo – nomeadamente Ministros dos Assuntos Interiores, Defesa, Justiça, Finanças e Negócios Estrangeiros- aqui em Juba.

Ontém com o apoio da UNMISS voámos de helicopetro para Nassir, onde tivemos conversas similares com o líder da oposição Riek Machar. A caminho visitámos o acampamento da ONU em Bor que foi atacado por uma multidão armada a 17 de abril e ouvimos as preocupações de alguns dos sobreviventes e as suas descrições deste assalto brutal que aparentou ter apenas o  objetivo de matar o maior número de civis possível no acampamento, conforme a sua etnia. Infelizmente não pudemos visitar Bentiu nesta viagem, mas discutimos o ataque ocorrido com o Dr. Machar, visto que os assassinatos em massa em Bentiu foram realizados por forças associadas com o SPLA na Oposição que ele lidera. Foi nos garantido que ele está a realizar a sua própria investigação sobre o que aconteceu e que vai fazer o seu melhor para parar suas forças de cometer ataques semelhantes de vingança contra civis.

Aprecio este compromisso de investigar, tal como as investigações que o Governo afirma estar a realizar relativamente aos assassinatos em massa de Juba a meio de dezembro que lançaram a escalada de mortes baseadas em vingança étnica que se prolongaram por quatro meses e meio desde. No entanto, se as pessoas do Sudão do Sul devem acreditar que alguém vai ser responsabilizado, estas investigações devem de passar de afirmações a ação: noutras palavras, deter e julgar após as investigações serem levadas a cabo por um corpo independente, num processo transparente consistente com as normas internacionais e princípios. Isto deve ser realizado rapidamente e o seu resultado deve ser publicado. Sem responsabilização não há nada para dissuadir outros de cometer execuções sumárias semelhantes e assassinatos em massa. As pessoas comuns - aquelas que são mais indefesas - e as organizações da sociedade civil e líderes religiosos que eu e minha equipa encontramos, falam do seu grande medo e do seu desespero para com a situação de que os seus líderes políticos lhe têm imposto.

O massacre em Bentiu e Bor foi simplesmente o mais recente de uma longa lista de  ataques semelhantes em cidades e aldeias de muitas partes do país, que têm cada vez mais envolvidos Dinka armados e Nuer fazendo das suas populações civis alvos, tal como estrangeiros. Muitos desses ataques passaram praticamente despercebidos ou não foram noticiados a nível internacional, mas têm servido para acentuar a espiral de ódio e violência dentro do próprio Sudão do Sul, com os assassinatos de Bentiu e Bor a desencadear novas ondas de tensão em áreas etnicas mistas em todo o país e na diáspora.

As cidades de Bentiu e Malakal, situadas na região produtora de petróleo perto da fronteira com o Sudão, mudaram de mãos, pelo menos,seis vezes cada , desde que os combates começaram  em meados de dezembro. Têm também havido dezenas de outros incidentes violentos em todo o território que abrange o norte, nordeste e sul do país. Estes, e um número crescente de exemplos de incitação à violência com base na etnia realizada por elementos de todos os lados, deve soar os alarmes bem alto e injetar maior urgência nas negociações de paz a ser levadas a cabo sob as auspicias do bloco da África Leste, a Autoridade Inter-Governamental para o Desenvolvimento (IGAD), em Adis Abeba.

É essencial que o povo sul-sudanês e a comunidade internacional pressionem os  líderes políticos do país para que eles parem cegamente de arrastar o seu povo no caminho da auto-destruição. Adama Dieng e eu advertemos esses mesmos líderes que as investigações atuais e futuras, inevitavelmente irão analisar até que ponto os líderes políticos e militares sabiam ou deveriam saber, ou não tomaram as medidas necessárias e razoáveis para impedir os crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos por si ou por subordinados sob a sua autoridade e controlo efectivos.

Com a temporada de chuvas a começar, nós também apelamos os líderes a mostrar mais preocupação tanto para com os 1,2 milhões de pessoas deslocadas no interior do Sudão do Sul, os que se encontram nos países vizinhos, e com os muitos outros que estão agora em perigo real de enfrentar  fome. Isto porque o conflito fez com que esta época de colheitas quase seja certamente perdida com resultados devastadores sobre a oferta de alimentos do país. Se a fome vier a ser uma realidade mais tarde este ano- e as agências humanitárias estão profundamente com medo de que vai - a responsabilidade por isso recairá diretamente sobre os líderes do país que concordaram num cessar das hostilidades em janeiro e, em seguida, não conseguiram cumprilas eles mesmos, culpando-se uns aos outros.

Eu fiquei chocada com a aparente falta de preocupação com o risco de fome demonstrado por ambos os líderes, quando  levantei a questão. A reação a um pedido de 30 dias de tranquilidade para permitir que as pessoas fossem para casa para plantar - embora já possa ser tarde demais para isso com o início das chuvas - foi morna: ambos os líderes disseram que fariam se o outro fizesse, deixando claro que não confiavam um no outo. A perspectiva de fome generalizada e a subnutrição sendo infligida a centenas de milhares no seu povo, por causa dos seus fracassos pessoais para resolverem as suas diferenças de forma pacífica, não pareceu os preocupar muito.

Se, num futuro muito próximo, não houver acordo de paz, sem responsabilidade, sem espaço para reconstruir a confiança e promover a reconciliação, e fundos suficientes para lidar com um desastre humanitário iminente, eu tremo só de pensar para onde o Sudão do Sul está a caminhar. Depois de tantas décadas de conflito e negligência económica, o Sudão do Sul merece mais do que isso, especialmente a partir dos seus próprios líderes, mas também da comunidade internacional, que tem sido lenta a reagir. Para dar apenas um exemplo: em dezembro, o Conselho de Segurança concordou em que o número de tropas de paz UNMSS deve ser aumentado de 7.700 para 13.200, mas os países contribuintes ainda não forneceram cerca de dois terços das tropas extras necessários imediatamente.

Exorto também os países doadores a responder rapidamente às agências humanitárias que apelam para por mais fundos, bem como a aplicação do seu peso político para o esforço de paz. A ONU estima que já existem 4,9 milhões de pessoas que necessitam de assistência humanitária, e esse número tende a subir, e as suas necessidades tendem tornar-se mais agudas, se a luta e a violência não são interrompidas imediatamente, e se a comunidade internacional não der mais apoio.

A lista de estatísticas alarmantes é longa. Aqui estão mais alguns números: A UNMISS inquestionavelmente salvou milhares de vidas, quando abriu as portas de vários de seus compostos para as pessoas que fogem de ataques mortais. Cerca de 80.000 pessoas estão abrigadas nestes compostos. A UNICEF relata que mais de 9.000 crianças foram recrutadas para as forças armadas de ambos os lados. 32 escolas foram retomadas pelas forças militares, e houve mais de 20 ataques a clínicas e centros de saúde. Muitas mulheres e meninas foram violadas, muitas vezes brutalmente e às vezes por vários agressores. Outras foram raptadas.

Crianças também foram mortas durante os ataques indiscriminados contra civis de ambos os lados. Quanto mais mal tem de acontecer, antes daqueles que podem acabar com este conflito o façam, especialmente o Presidente Kiir e Dr. Machar?”

FIM